Hoje fui passear a um lugar construído a pensar que a vida ía ser de uma maneira. E depois foi de outra. Vi fantasmas do que foi, promessas do que alguém queria que tivesse sido e adaptações mais ou menos bem-sucedidas ao que é (ou ao que se quer que seja).
Vi paredes que, por acusarem a passagem do tempo, parecem ter parado nele. Sem gente dentro, com gente por dentro. Casas que parecem ter respirado as pessoas.
Vi o café central que já não fica no meio. O mercado onde já ninguém merca. A Rua dos Lojistas onde não os há.
Vi santos de azulejo a abençoar a vida que já aconteceu. Placas a alertar para cães que já guardaram. Vivendas com 4 quartos para as famílias que já não (o) são.
Vi transplantes, cirurgias plásticas e reencarnações. Corpos que perderam as suas almas, almas novas que mataram os velhos corpos e novos corpos que nasceram no seu lugar.
Casas económicas, com topos de gama à porta.
28/12/2014
01/11/2014
Da vida
Sentimentos, tão iguais que podiam ser públicos
Em corpos, aparentemente, particulares
Pecados, tão originais, repetidos
Em linha de montagem, como primeira vez
Corações, tão estrondosos, em surdina
Sob as caras cujos olhos não os veem
Mas... estações, passageiras, onde (só) tu sabes estar
Para lá de relógios partidos e horários trocados
Viagem maior, sem sair do lugar
Por dentro e por fora, sempre a mudar
Em corpos, aparentemente, particulares
Pecados, tão originais, repetidos
Em linha de montagem, como primeira vez
Corações, tão estrondosos, em surdina
Sob as caras cujos olhos não os veem
Mas... estações, passageiras, onde (só) tu sabes estar
Para lá de relógios partidos e horários trocados
Viagem maior, sem sair do lugar
Por dentro e por fora, sempre a mudar
Perspectivas
Rio correndo em sólido leito
Céu soprado a tinta-da-china
Harpa tocada com dedos de vento
Tapete bordado a pé de flor, voador
Céu soprado a tinta-da-china
Harpa tocada com dedos de vento
Tapete bordado a pé de flor, voador
13/09/2014
Meu medo, amor
O amor tem metade do medo.
O medo tem metade do amor.
O amor e o medo têm metades um do outro.
No centro do amor está uma parte do medo.
Nas pontas do medo está o meio do amor.
O medo é amor partido, separado.
O amor é medo envolvido, integrado.
O amor integra o medo.
O medo parte o amor.
O medo tem metade do amor.
O amor e o medo têm metades um do outro.
No centro do amor está uma parte do medo.
Nas pontas do medo está o meio do amor.
O medo é amor partido, separado.
O amor é medo envolvido, integrado.
O amor integra o medo.
O medo parte o amor.
28/08/2014
Days of open hand
Abrir mão é tê-la aberta
Oferecer a palma ao mundo
Receber vida ao segundo
Ter caminho por destino
Ser pé, ponte, ser passagem
Deitar no leito da viagem
É devagar deixar correr
É ser corrente sem prender
Embalada em movimento
Deste fluxo fazer linha
Descobrir a sina minha
Escrita em páginas de carne
E se outra palma eu encontrar
Que ela possa aqui pousar
E se a ventura disser não
A sardinha pingue no pão
Oferecer a palma ao mundo
Receber vida ao segundo
Ter caminho por destino
Ser pé, ponte, ser passagem
Deitar no leito da viagem
É devagar deixar correr
É ser corrente sem prender
Embalada em movimento
Deste fluxo fazer linha
Descobrir a sina minha
Escrita em páginas de carne
E se outra palma eu encontrar
Que ela possa aqui pousar
E se a ventura disser não
A sardinha pingue no pão
11/08/2014
Permanecer, na mudança
Li num artigo do José Tolentino Mendonça que "perseverança" é em grego "proskateresis", «um composto de duas palavras: "pros" (que significa "manter-se ainda" ou "ir além") e "karteria" (que significa "constância")». Lembrei-me daquela terra verde, em cascata, à beira-rios. Pequeno paraíso onde me apetece demorar. Lugar que descobri em périplo singular, como é a vida, e por onde caminhei acompanhada, como às vezes acontece nesta. Foi a terra que acolheu Camões, desterrado de Lisboa, por pecados de amor («Erros meus, má fortuna, amor ardente», «qual em nós mais frequente, cada vez mais frequente»). Quem a olha pode pensar que foi sempre assim. Mimosa, amena, acolhedora. Não adivinha que é frequentemente galgada pelo Tejo, que em dias normais a abraça calmamente. Nem que se chamava Punhete.
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