18/10/2015

Verão passado

Caminho na areia
De olhos no chão
Procurando a pedrinha
Que era o meu coração
Entreguei-a ao teu cuidado
Num momento de embriaguez
Agora não posso pedi-la outra vez
Perdeu-se na rebentação
Há que aceitar
Atravessa o deserto
No fundo do mar
Um dia talvez
Como garrafa a boiar
Aos meus pés na praia
Venha parar
E no fim da viagem
Voltará para o meu peito
Para bater por mim
Pois para isso foi feito

30/06/2015

Olhar

De cabeça para baixo
De dentro para fora
Da água para o fogo
Da brisa para o vento
Eu a olhar
Da esquiva para a roda
Da areia para a onda
Do pé para a rebentação
Do que há para a revolução
Eu a olhar
Da criança para a outra
Da batida para a voz
Do lábio para o sorriso
Daqui para outro mar
Eu a olhar
Sorrir
E deixar escapar

22/04/2015

Enxertos

Aviões que aterram em arbustos
Guindastes que pendem do céu
Ramos que brotam de candeeiros
Pombos que nascem de telhados
Colegiais que despontam de uniformes
Amantes que crescem da relva
Solitários que emergem de bancos
de jardim

08/04/2015

Postcards from where

Ele tinha na parede uma foto de uma largada de toiros em Vila Franca. Eu coloquei na minha a imagem de um lago termal em Grindavik. Hoje, catorze anos depois, dei-me conta de que os nossos quartos tinham vista para o país do outro.


26/03/2015

Dos corpos celestes

Sopra forte lá fora
Não me importa o vento
O meu cabelo não conhece pente
Dentro corre uma brisa curiosa
Ora me embala ou me abandona
O coração despenteado

20/02/2015

La donna è vulnerabile

Curiosa esta coisa dos afectos, das identificações e das sintonias. Há momentos em que tudo parece bater certo, encaixar. Momentos raros, valiosos, encantados.
Como tudo o que é encantado, estes momentos quebram-se com facilidade. As distracções e as insinceridades, que, na música dos GNR conduzem ao choque frontal, conduzem também à quebra pelo desencontro, fatal ou não. Basta distrairmo-nos ou fecharmo-nos um pouco para as peças não encaixarem da mesma forma.
Exigente este balanço de atenção e de abertura, para connosco, para com o outro e para com a vida, sem cair na expectativa e na dependência.
E exigente a resposta à pergunta, lamechas, de quem tem cu. Poderei guardar-me da dor sem me guardar do amor? O Tim diz que não.

04/01/2015

Sim, é sempre num lugar como tu

O que se quis.
O que foi e já não é.
A falsa promessa da durabilidade.
A realidade que se impõe.
O sonho perdido.
As ruínas arquitectónicas, por esse país e mundo fora, são metáforas para as da vida, de todos e de cada um, que trazemos dentro.
Eu, que sou míope e tenho na História e nas histórias as minhas disciplinas preferidas, sou, naturalmente, fascinada por elas. Mas ultimamente tenho questionado se devo assumir esse fascínio, ou praticar, antes, o presente, a criação, o futuro, a novidade.
Serão estas posições mutuamente exclusivas? Ou poderão as ruínas ser construtivas? Poderei ter o novo, (para) além do velho?
Ao saltar a barreira imaginária que separa o 2014 do 2015, desejei passar, simbolicamente, da ruína para a edificação. Não deixa de ser curioso que uma casa em construção e uma que soçobrou tenham algo de semelhante.

Feliz 2015.